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Tragédia da Kiss chega ao banco dos réus nesta quarta-feira
01 dezembro 2021 - 11h03
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A tragédia da boate Kiss finalmente chega ao banco dos réus. Após quase nove anos, a morte de 242 pessoas e o ferimento de outras 636 pelo incêndio e pela inalação de fumaça tóxica serão sentenciadas pelo Tribunal do Júri que começa nesta quarta-feira (1º), em Porto Alegre.

O massacre da madrugada de 27 de janeiro de 2013 causou comoção no Brasil e no mundo, mas deixou marcas profundas sobretudo em Santa Maria, no centro do Rio Grande do Sul, cidade de veia universitária em que ocorreram os fatos. Famílias, turmas de amigos e uma comunidade foram feridas de morte e o lento processo de cicatrização, a pesarosa virada de uma página, poderá vir com a sentença aos réus Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, sócios da Kiss, e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, da banda Gurizada Fandangueira.

— É um alívio porque estamos chegando onde sempre quisemos, no julgamento. Mas, conforme vai chegando mais perto, é muita apreensão, uma sensação difícil de entender. Às vezes, temo uma suspensão ou anulação do júri. Quanto ao resultado, não vejo como fugir da condenação por dolo eventual — diz Paulo Carvalho, diretor-jurídico da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM).

Experientes juristas afirmam que será o mais simbólico júri da história. Previsto para durar cerca de duas semanas, é um caso de complexidade, quantidade de réus, testemunhas e vítimas jamais visto.

— Esse júri vai tratar do maior processo criminal já ocorrido no Brasil. Não se tem notícia de outro com tantas vítimas. Não só é o julgamento mais importante, o maior, como também é o que mais vai testar os limites da emoção. É o tipo de júri que você sabe como começa, mas não sabe como termina — analisa Lenio Streck, procurador aposentado do Ministério Público, jurista e professor da Faculdade de Direito da Unisinos.

Com apelo público, o componente de dramaticidade deverá se fazer presente, explorado tanto pela acusação do Ministério Público quanto pela defesa dos quatro réus. Uma performance discursiva que, por vezes, poderá surpreender pela verve. O Ministério Público tentará demonstrar que os réus cometeram deliberada e conscientemente uma sucessão de erros e negligências que levaram ao incêndio fatal, iniciado pela espuma do teto da boate, assumindo o risco de matar. Na defesa, predomina a argumentação de que os réus são vítimas que também saíram feridas daquilo que teria sido um evento acidental.

— Há momentos em que advogados e promotores exageram, mas só eles para saber o que passa porque estão lá dentro. Tem a questão da vaidade, de não querer perder uma discussão — comenta Streck, sobre a tensão de atuar nesse formato de julgamento.

A adoção do júri para o caso Kiss, objeto de longa discussão no Tribunal de Justiça (TJ-RS) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), é considerada acertada pelo jurista Sergio Porto, ex-procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul. Sete jurados sorteados irão definir se os quatro réus são culpados ou inocentes.

— O Tribunal do Júri é uma expressão democrática da Justiça. A sociedade vai julgar o fato. No plano filosófico, a questão é se o fato é aceitável. Falamos de lesão massiva, com dezenas de vítimas. Nós podemos conviver com isso? É importante colher a opinião da sociedade através dos jurados. Ela vai se pronunciar sobre como vê esse tipo de circunstância — analisa Porto.

Presidente da seção gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Ricardo Breier fez sustentação oral no STJ, em favor da AVTSM, para levar o caso Kiss ao júri. Ele destaca a responsabilidade dos sete jurados e avalia que, ante os embates no plenário, é importante que eles não fiquem reféns das teses de acusação e defesa.

— É um julgamento com muitas provas e, pela primeira vez, eles terão contato com esse caso de alta complexidade. Para que se faça justiça, o jurado vai precisar entender bem o caso, para que não seja levado por versões. O que faz o jurado para definir convicção? Requisita provas e acesso aos autos. Se quiser, o jurado pode pedir para ir até a boate, em Santa Maria — avalia Breier.

Para especialistas, há um paradoxo sobre o júri da Kiss eventualmente produzir um marco na sociedade, apontando princípios de punibilidade e lições pedagógicas.

— Entendo que todo julgamento tem um conteúdo pedagógico. E este, em especial, terá um exemplo sobre o que pode e o que não pode ser feito. Se vai provocar mudanças futuras, não tenho como saber, mas na perspectiva pedagógica já produziu alguns efeitos (sobre mudanças na legislação de incêndio) — diz Porto.

Streck é mais cauteloso. Ele avalia que a sociedade detém complexidade que vai além de um julgamento, de modo que seria impensável imaginar a civilização sem delinquência.

— Quando temos grandes julgamentos, sempre aparece o discurso de que é uma fronteira. Não é um julgamento que vai trazer o marco da virtude para a sociedade brasileira. É um grande julgamento, o maior, o mais tenso, o mais triste, mas o Brasil não vai mudar e as pessoas não vão ficar mais ou menos virtuosas — diz Streck.

Se, eventualmente, não será uma nova fronteira para o Brasil, o júri da Kiss terá o condão de colocar o Rio Grande do Sul frente a sua própria tragédia para uma reflexão.

— Queremos uma resposta para as famílias e também para a população — diz Carvalho, da AVTSM.


Fonte: GZH

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